Em Portugal, o aluguel turístico está enfrentando mudanças significativas devido a novas regulamentações e ajustes fiscais que visam equilibrar a atividade econômica com o acesso à habitação. Para compreender melhor o impacto dessas medidas, entrevistamos Asier Pereda, presidente da Aparture (Euskadi) e responsável pela área de Assuntos Regulatórios e Relações Institucionais da Fevitur, que compartilhou sua visão sobre os desafios e as oportunidades para o setor das habitações de uso turístico (VUT) neste novo cenário.
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A recente alteração da Lei de Propriedade Horizontal exige que, a partir de 3 de abril de 2025, qualquer proprietário que deseje destinar sua habitação ao aluguel turístico obtenha o consentimento expresso da comunidade de proprietários. Você considera essa exigência justa?
A introdução do consentimento expresso como requisito para destinar uma habitação ao aluguel turístico gera um debate interessante sobre como equilibrar o bem comum e o interesse público. Embora essa medida possa evitar conflitos em comunidades onde o impacto do aluguel turístico é visto de forma negativa, ela impõe um obstáculo adicional para os proprietários responsáveis que gerem suas propriedades em conformidade com as normas vigentes.
Na minha opinião, seria mais justo que essas decisões fossem baseadas em critérios objetivos e dentro de um marco regulatório equivalente ao de qualquer outra atividade econômica. Só assim seria possível garantir a segurança jurídica necessária para todas as partes envolvidas. Este princípio de previsibilidade é essencial em um estado de direito, onde direitos e deveres devem ser claros, estáveis e previsíveis.
Permitir que as comunidades de proprietários decidam sobre a implantação de atividades econômicas como as VUT pode parecer democrático. Contudo, isso levanta uma questão essencial: as comunidades, por natureza, não têm capacidade técnica para equilibrar o bem comum (interesse dos vizinhos) com o interesse público (desenvolvimento econômico e urbano).
O bem comum é importante, mas não deve ser avaliado isoladamente nem colocado em oposição ao interesse público. As VUT são um setor econômico que transcende os limites de um edifício, impactando positivamente o desenvolvimento econômico, a geração de empregos e a sustentabilidade do tecido urbano.
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Na sua visão, qual será o principal problema enfrentado pelo setor de VUT com a entrada em vigor da modificação da Lei de Propriedade Horizontal?
A insegurança jurídica. Em muitos casos, as habitações de uso turístico (VUT) são regulamentadas, no âmbito urbanístico, como um uso assimilado à habitação. Salvo exceções em que os municípios normalizaram esse uso como uma atividade econômica sujeita a licenciamento, essa situação gera insegurança jurídica para os administrados, mesmo que estejam em conformidade com as normativas urbanísticas e setoriais.
O problema se agrava em casos de transmissão de propriedades, onde, apesar de se respeitar o princípio da irretroatividade, a atividade fica comprometida caso não esteja vinculada a uma licença de atividade. Isso desincentiva a profissionalização e dificulta o desenvolvimento sustentável do setor.
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O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, anunciou recentemente um pacote de medidas para enfrentar a crise habitacional no país. Entre elas, está o aumento de impostos para quem aluga apartamentos por curtos períodos, de forma que “paguem impostos como devem, como um negócio”. Como essas medidas podem impactar os gestores e proprietários de apartamentos turísticos?
A política fiscal é uma ferramenta essencial para direcionar a economia, e o setor habitacional não é uma exceção. O tratamento fiscal desempenha um papel crucial no equilíbrio entre o uso prioritariamente residencial das habitações e os usos não permanentes, como as VUT.
No caso das VUT, é fundamental que a política fiscal incentive modelos de gestão sustentáveis que preservem a função social da habitação. Isso implica orientar a oferta para modelos que gerem valor em termos de emprego regulado, impacto fiscal, qualificação do setor, integração com a cadeia turística e sustentabilidade econômica e social.
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Qual modelo fiscal você considera mais adequado para enfrentar os desafios do aluguel turístico na Espanha?
A proposta fiscal da FEVITUR atende justamente às preocupações apresentadas pelo presidente do governo, com base em princípios gerais que buscam alinhar as políticas públicas ao interesse geral.
Um dos pontos centrais dessa proposta é a segmentação do tratamento fiscal com base na profissionalização da atividade econômica. Essa abordagem desincentiva práticas especulativas e fomenta modelos de gestão que geram valor em termos de empregos regulados, impacto fiscal e integração com a cadeia turística.
Além disso, a proposta destaca a necessidade de alinhar a política fiscal com objetivos mais amplos, como a promoção do uso prioritariamente residencial, sem comprometer o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. Esse modelo é um exemplo claro de como a fiscalidade pode ser uma ferramenta eficaz para criar um setor sustentável e alinhado ao interesse público.
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Olhando para o futuro, qual será o papel do aluguel turístico na economia local e nacional se essas medidas forem plenamente implementadas? Que desafios ou oportunidades podem surgir?
A solução para esses desafios não passa por alimentar a insegurança jurídica com decisões improvisadas, mas sim por estabelecer regulações claras e estáveis que equiparem as VUT a qualquer outra atividade econômica. Ferramentas de planejamento urbano e regulamentações setoriais são essenciais para harmonizar o bem comum com o interesse público, assegurando tanto o bem-estar dos vizinhos quanto a operacionalidade das VUT dentro de parâmetros objetivos.
Dados oficiais indicam que, na maioria dos casos, o impacto das VUT no mercado imobiliário é menor do que frequentemente se acredita. Em muitos territórios, essas propriedades representam uma porcentagem pequena do total, com uma correlação fraca ou inexistente entre o aumento de VUT e a elevação dos preços de aluguel ou venda.
Apenas um marco regulatório robusto permitirá que esse setor econômico, responsável e profissionalizado, se consolide como um modelo sustentável e benéfico para todas as partes envolvidas. Um modelo de gestão de VUT que incorpore atributos de qualquer setor consolidado gera empregos de qualidade, impulsiona o desenvolvimento local e contribui para a arrecadação fiscal.
A experiência mostra que fomentar o rigor normativo, a arrecadação fiscal e a profissionalização do setor é a estratégia mais eficaz para equilibrar sustentabilidade e atividade econômica, preservando tanto o tecido residencial quanto o valor econômico do aluguel turístico.